18.3.12

O ÚLTIMO A DORMIR APAGA A LUA

Ali, na Avenida Rebouças, em frente ao HC. Naquele viaduto, na passarela. Onde tem o ponto de ônibus, chegando na Avenida Paulista, sabe?! Aquele lugar, pertinho do Túnel Noite Ilustrada. Passos antes, do lado esquerdo, pra quem sobe. Do direito, pra quem desce. Bem no instante onde nossa paciência começa a ser lenta feito o trânsito avenida abaixo.

Paro.

Outro dia consegui enxergar a frase, até que enfim. Cabeça no banco, sono no rosto, rosto no vidro. E o vidro, xará, no viaduto. Ali, na Avenida Rebouças, em frente ao HC. Naquele viaduto, na passarela. Onde tem o ponto de ônibus, chegando na Paulista, sabe?!

Ela está lá. Inspiradoramente provocante. Pra gente espantar o sono e o tédio. O medo de se perguntar demais, de pensar demais: o que mesmo que a gente faz quando o sol se põe? O que mesmo que a gente faz, quando o nosso sol se põe? Espera? Adormece pro tempo passar mais rápido? Ora, e espera uma providência divina pra ele vir mais rápido que o combinado, que o esperado?

Já tinha visto uma outra, bem forte também. "Em casa de menino de rua, o último a dormir apaga a lua". Pelo que li essa frase estava grafitada em algum lugar da Rua Augusta. A que eu vou contar não. Essa é de outro lugar. Ali, na Avenida Rebouças, em frente ao HC. Naquele viaduto, na passarela. Onde tem o ponto de ônibus, chegando na Avenida Paulista, sabe?!

É lá que quem não tem casa, por escolha própria ou de alguém que pode mais, mora. É a sala de estar, a cozinha e o banheiro dessa pessoa. Banheiro, cara! Banheiro. Parou pra pensar nisso? Aqui na rua de casa, aqui onde eu tenho casa, sala de estar, cozinha e banheiro, como todo mundo deveria ter, o Seu Vagner foi quem optou por ser o responsável oficial de apagar a lua todas as noites. Fez essa escolha consciente, me contou outro dia, em baixo do sereno. Apontou pra publicidade de cerveja num cartaz que o ajudava a se cobrir e disse:

- Isso aí, meu filho, é o que me fez vir parar aqui. Parei de brigar com a minha família há 13 anos, quando troquei minha casa por essa esquina. Aqui, ninguém me dá ordens, ninguém acha que sabe mais de mim do que eu mesmo. (Mesmo que elas estejam realmente certas, pensei).

Ele deixou a família, pois não deixava a bebida. Deixou a casa, a mulher, os filhos. Na rua, deixou as próprias ruas, saindo da zona norte, caminhando por aí até encontrar aqui, na esquina, um lugar. Quantos quilometros será que ele andou?

Aqui, me contou, deixou de beber. De beber, cara! E me disse pra dizer aos meus  amigos pra ter cuidado com isso de beber, sabe?! Ele deixou a família, pois não deixava a bebida. Aí, na rua, deixou a bebida, mas a família, ele me contou, já o havia deixado a essa altura.

Silêncio na Heitor Penteado.
O Seu Vagner está se levantando com calma, dificuldade, puxando a perna e a dor nela com muito cuidado para o mais alto que puder. O Seu Vagner já sabe há mais de uma década o que deve fazer quando o sol se põe.

Levantar-se e apagar a lua.

Obrigado por isso, Seu Vagner.
De verdade.

Um comentário:

cristina coghi disse...

lindo demais!
apaguemos a lua logo mais..